Fere de leve a frase... E esquece... Nada
Convém que se repita...
Só em linguagem amorosa agrada
A mesma coisa cem mil vezes dita.

Mario Quintana

domingo, 13 de agosto de 2017

O Ofício e o tempo...

Pensei um bocado para escrever esse discurso. Até que, há não mais de 10 dias, consegui começar a escrevê-lo. O tempo de pensar no que e em como falar, o tempo da festa que se aproximava, as duas últimas semanas cujo tempo parece ter significado dois meses ou mais... O tempo, em todo o momento e em todas as minhas reflexões. Parecia claro que o tempo seria o tema da minha fala. A começar pelo tempo desse discurso. Discursos precisam ser poucos, se possível,  bons, e sempre devem ser breves.
O tempo é praticamente uma entidade na MAB. Ele tem forma, aparência, cor e até cheiro. Por vezes é grande e denso. Em outras, é pequeno e implicante. Em alguns momentos ele é como uma tempestade ou uma tormenta: nos empurra, chacoalha, leva todo mundo junto, faz com que batamos uns nos outros e nos exige que provemos o quão resistentes e flexíveis somos a sua presença. Algumas vezes o tempo nos sorri e nos trata com certa agradabilidade. Nos proporciona algumas risadas e nos permite certa energização. De qualquer forma ele tem nome próprio, é presente, sentido, admirado e odiado.
Quanto tempo faz que estamos na MAB? Há quanto tempo eu estou na MAB? Qual é o tempo do projeto?  Quando o recrutamento começa? Quando o relatório acaba? Qual o tempo do grupo? Qual a duração da entrevista? A reunião dura só uma hora mesmo? Tens 2 minutos?
Ao longo da convivência, também aprendemos que o tempo pode ser recriado, reinterpretado. Pra Débora, não há limite de tempo quando o desafio é novo. É o tempo que falta para o almoço ou pra tirar os sapatos e relaxar nessa casa que, com o tempo, também virou a casa dela. Pra Mari é o tempo de perguntar quem precisa de ajuda, quanto tempo leva pra perder a paciência com aquele cliente, quanto tempo teve pra fazer esse bolinho orgânico e trazer pra galera. Pra Romi é o tempo de ontem, o que é possível fazer antes que o tempo a agarre, o que pode ser antecipado e premeditado. Páaaara, Páaaaara. Pra Nad é o tempo do telefone, a espera pela resposta, o tempo de responder os e-mails do Fabian, o tempo do intervalo do cafezinho depois das 16. Pra Paulinha é o tempo do outro continente, já que ela tá sempre a frente, na mente e no coração. Quando acordamos, ela já respondeu os e-mails; quando vamos dormir, o tempo da Pauletes já começou novamente. Pra Suamy e pra Thay é tempo de aprendizado, de entender a dinâmica mabcrazy, de observar e compartilhar experiências. Pra Mi é tempo de experimentar o que é diferente e novo, tempo de atender cliente ao telefone, tempo de recomeço. Pra mim, é a divisão do tempo entre o home office, o escritório, a viagem pra campo e todo o trânsito entre uma coisa e outra. É o checar os e-mails de madrugada por puro hábito. É o responder aquele orçamento às 6h da manhã ou às 11h da noite pra poder dançar ao meio dia. É ter o tempo todo dividinho pra ser mais feliz. Pro Fabian... bom, o Fabián, às vezes, parece ter um outro fuso. Nesse relógio, geralmente as coisas podem ser resolvidas em pouco tempo. Em um par de horas, mais precisamente. Sim, na MAB aprendemos a medir as coisas em pares de horas. Em quantos pares de horas é possível terminar esse projeto? Em quantos pares de horas o Fabian faria isso? Como pode demorar tanto tempo pra fazer algo tão simples? O raciocínio dele certamente funciona em outro tempo. Calcular o fuso Fabianês é quase uma tarefa de física. O tempo da resposta é igual a velocidade em que ele viu o pedido, vezes a aceleração em que vai pensar nas soluções, menos o espaço gasto com abreviações de palavras e junção de idiomas, dividido pelas 2-3 pessoas copiadas no e-mail. Isso num movimento uniformemente variado que é perceptível a olho nu com um par de horas de delay.
Em todos os casos, a MAB nos propicia o tempo da convivência e do aprendizado; e certamente nos mostra que hoje é tempo de agradecer. Agradecer por termos aprendido, ao longo dessa caminhada, a ver além da superfície e das aparências. Um aprendizado que nos enriquece como pesquisadores, mas que também é fundamental em nossas relações pessoais. É o tempo que nos liberta das verdades absolutas, das unanimidades passionais. Nós, os mabeicos, vivemos do conhecimento. E o papel do conhecimento, segundo Mangabeira Unger, é o de confortar os aflitos e de afligir os confortados. A capacidade de enxergar o outro, compreender ou aceitar o que nos é diferente, e superar o narcisismo das pequenas diferenças. Ter a percepção de que, não raro, não vemos as coisas como elas são, mas como nós somos.  Ou onde estamos. Ou o que queremos.
Eu gostaria que o tempo dessa festa fosse o significado do esforço que o Fabian fez, durante todos esse tempo, para que a MAB se tornasse o que é. Que significasse a energia depositada por todos nós, para que tenhamos nos tornado uma pequena empresa ao sul do país capaz de grandes e importantes projetos nacionais e até internacionais. Que o tempo dessa festa fosse sinônimo de celebrarmos todos que passaram pela MAB, e os que ainda vão passar.
Obrigada, Fabian, pela mente sagaz e pela confiança depositada. Obrigada meus queridos colegas por serem tão fundamentais na minha vida. Vocês são realmente meus irmãos, fazem parte de quem eu sou, me alegram todos os dias, dão sentido ao meu trabalho. Muito obrigada parceiros, fornecedores, amigos por serem tão companheiros, por nos aguentarem por tanto tempo, e por toparem conosco o desafio de driblar o tempo e construir, com o time da MAB, um oficio tão bom de ser laborado. Boa celebração pra todos nós, é tempo de Festa!

Obrigada!

(Texto com contribuições valiosíssimas da minha alma mais que gêmea Paula Goerg)

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Alice e suas maravilhas!


"Alice: Chapeleiro, você me acha louca?
Chapeleiro: Louca, louquinha ! Mas vou te contar um segredo: as melhores pessoas são."



Alguém, ou muitas pessoas já tentaram entender meu verdadeiro fascínio pela história da menina  chamada Alice que cai  em uma toca de coelho que a transporta para um lugar fantástico povoado por criaturas peculiares e antropomórficas, revelando uma lógica do absurdo característica dos sonhos. 
Sim, Alice me fascina desde pequena quando ouvia a historia repetidas vezes no disquinho de vinil, me fascina pela capacidade de navegar num mundo onírico paralelo a esse nosso real e por vezes um tanto sem graça. Alice me fascina pela capacidade de transformação, a garota que fica pequena pra passar pelo buraco da fechadura, que cria uma lago de lágrimas de tanto chorar, que ouve conselhos da lagarta e o desabafo do chapeleiro maluco.
Alice que fica alta diante da Rainha de Copas pra não ter medo de seu mandatos infundados: "Eu... eu... nem eu mesmo sei, nesse momento... eu... enfim, sei quem eu era, quando me levantei hoje de manhã, mas acho que já me transformei várias vezes desde então", diz a menina. 
Como boa geminiana que sou, sei e espero que meu levantar nunca engesse meu entardecer, não sei o que pode acontecer e espero sem pretensão boas surpresas pelo caminho.
Foi num dia desses, em que as surpresas são sempre bem vindas, que mais uma boa nova se anunciou: A Lu grávida, a Lu grávida de Alice, a Lu amiga da Bi, a Bi madrinha da Alice, a Alice do País das Maravilhas. 
Ah querida Alice, você já surpreendeu essa madrinha desde o começo, ao anunciar que vinha e não vinha, ao ser uma geminiana que virou canceriana, ao mudar o rumo da rota e colocar os que te amam no aguardo porque o mundo pode esperar por você. Pode esperar você estar pronta, pode esperar você escolher o tamanho e o jeito que você quer passar pelo buraco da fechadura.
Bom estou certa de que você já deu uma espiada no que te espera nesse grande universo. Por aqui minha querida,você chega em um momento em que a Copa do Mundo no Brasil finalizou recentemente. O país em que nasces, famoso por seu futebol, já é penta e foi para a semi-final com a Alemanha. Como as surpresas da vida sempre nos mostram que nada está ganho, perdemos de 7 a 1. Uma goleada que nos triou um pouco do mundo das maravilhas e nos obrigou a colocar pés no chão e encarar os fatos. As vezes é preciso...
Também é ano de eleições, não estamos lá essas coisas com os candidatos. Quem está no poder nos decepcionou um tanto, embora tenhamos ganhos claros pra esse país imenso. O fato flor, é que já não sabemos mais quem é quem nessa corrida frenética. Ainda bem que não tens que decidir nada agora.
No dia em que você nasceu, 22 de junho de 2014, Jogadores da Argélia comemoram os gols feitos contra a Coreia do Sul, que terminou em vitória por 4 a 2 do país africano contra os sul-coreanos. A Argélia, que já foi colônia francesa, foi a primeira seleção africana da história a fazer quatro gols em uma Copa do Mundo. Em um país bem ao norte do nosso, um bebê rinoceronte de uma especie rara e em extinção nasceu em uma reserva nos Estados Unidos, ele se aconchegou imediatamente na mãe e passa muito bem. No mesmo dia ucranianos precisaram se esconder em um abrigo antibombas durante um conflito entre as tropas do governo e soldados pro-Rússia, a coisa por lá está bem difícil e critica. Falta ao mundo um pouco mais de sonhos.  Já  lá para os lados da Turquia, no dia 22 aconteceu a parada Gay e dois homens trocaram beijos amorosos e lindos como simbolo da igualdade e do direito ao amor. Por incrível que pareça você vem a um mundo que ainda quer ditar regras de como se amar e demonstrar afeto. 
Esse mundo pode ser bem estranho e surreal também minha pequena. Você terá grandes desafios pela frente, e um tanto a ensinar. Mas esteja certa que por aqui também há mil maravilhas. Você está rodeada por pessoas que te amam. Não é a toa que você tem exigido ficar no colo dos teus pais com frequência, eles te amam muito e estão verdadeiramente apaixonados por você. Também te esperam dois irmãos, duas figurinhas inusitadas que te aguardam pra dividir e compartilhas algumas aventuras. Esteja certa que o universo que te cerca já pode ser surpeendente. 
Linda Alice, desejo que você não se canse em desvendar enigmas, que tenha o dom de achar portas e saídas em lugares inusitados e que nenhuma rainha possa te impedir de questionar a lógica das coisas
E claro, desejo que essa sua madrinha atrapalhada e um tanto devagar possa te acompanhar pelas aventuras que estão por vir nesse país imenso que te aguarda.

Seja bem vinda querida!


Com carinho,
Dinda


quinta-feira, 8 de maio de 2014

calmaria e vendaval: o vazio é curto

“eu sei o quanto a vida é complicada e cheia de mistérios
eu sei que o café da manhã não serve mais para o da tarde
e eu sei que o amor de uma pessoa pela outra não é capaz de salvar uma segunda pessoa
eu aprendi a lidar com situações difíceis da pior maneira possível
aprendi a lidar com o profundo suportando o raso
e a andar de bicicleta curando feridas
o vazio não é capaz de engolir o nosso medo, nem nossa vida
o vazio é esperto e ágil
o vazio é curto, assim como toda a felicidade.
Eduardo Alves, indeferindo.”

domingo, 25 de agosto de 2013

Silêncios

Passando por aqui pra deixar registros depois de um tempo de silencio...
Tenho sido pouco criativa, a inspiração tem me estado longe e me tira a inclinação pra escrever. O silêncio tem me sido mais doce do que as palavras.
Talvez porque a vida já esteja preenchendo e feito tanto barulho dentro da minha mente, ou será coração, ou será... não sei por onde ela tem transbordado, mas ela se encontra aqui circulando e indicando que é preciso pulsar, ah sim é preciso pulsar!
A vida toma conta da gente com as pequenas, pequeninas bobagens diárias (e não é porque são boabagens que não muitas delas não são necessária. Não vou definir o que tomo por bobagem, porque seria outro texto)... é preciso acordar, limpar, se vestir, ficar bacana, falar bem, produzir (sempre produzir), entrar no ritmo, atender o fone, avisar que vai chegar, avisar que vai faltar, dar feedback, receber feedback, ver o último filme, saber discutir sobre o último livro, saber filosofia, sociologia, psicologia e todas as ias..ler mil vezes o contrato, se assegurar que está fazendo a coisa certa, diminuir as chances de erros, ser político,ser coerente, tratar bem, ser gentil, mas ser firme (ah não esqueça de se posicionar)... É preciso atender o chamado, é preciso ter amigos, ter alguém, se relacionar, quem sabe ter filhos, a família bacana.
É preciso, é preciso tanta coisas que por horas, quando me sinto a ponto de vestir a fantasia do Chapeleiro Maluco da historia da Alice no País das Maravilhas (filme pelo qual me encanto desde sempre), que repetidamente vai saindo e repetindo "Tenho pressa, tenho pressa", sei que minha necessidade e minha saída é o silêncio...
Não que eu não tenha prazer na vida que pulsa, nos amigos que tenho, na gargalhada com o vinho da noite anterior, no abraço apertado, na mensagem doce que chega, na família que briga, ri e chora junto... na expectativa do elogio do cara bacana...Não que eu não tenha prazer na filosofia e na psicologia, na obra esteticamente perfeita e acabada, na música que enche a casa de vida. Ah sim, em mim ha um pulsar desses bem bons, mas por vezes, no acelerado do tempo do Sinal fechado, ele pulsa mais do que gostaria e acelera o tempo... tempo que na verdade não existe...
E novamente é preciso decidir, mas decidir o que fazer nunca foi minha melhor habilidade. E há um mundo que me solicita isso todos os dias,há um imperativo forte e que ecoa todo o tempo: é preciso decidir! Decida! se posicione! faça! vá! questione!
Ah como eu tenho tido profunda admiração pelo silêncio, aquele que não é, que não tem, que não se vê, que não se descreve, mas que se pode ouvir porque é repleto de significados. A alegria também aí existe!
Esse texto, ainda um tanto atrapalhado é pra desejar uma semana com espaços pra esse povo que torna meus dias silenciosamente melhores...

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Do meu lugar...

Escrevi esse texto para a disciplina de Psicologia e Estudos de Gênero (lindamente ministrada por Juracy Toneli). Não consegui finalizar referência e o trabalho me engoliu de tal forma, que só meses depois toco nele novamente acrescento um novo parágrafo e resolvo pública-lo aqui, pra o que o meu lugar não se perca...




Do meu lugar
Reflexões sobre a disciplina Psicologia e Estudos de Gênero

Eu sei como pisar
No coração de uma mulher
Já fui mulher eu sei


Demorei pra escrever a primeira palavra desse texto. A vida anda bastante corrida e minha mente parece ter dificuldade de organizar todas as ideias e raciocínios que passam por ela. De fato, não sei o que escrever diante da quantidade de informações que tenho na minha cabeça nesse momento. Isso se mistura a um grande cansaço do trabalho e a sensação de que o meu texto tem que ser bom. Pronto, entramos na temática.
Penso na norma, e ela quase me impede de escrever. A última vez que escrevi um trabalho acadêmico foi na pós em Saúde Publica, seis anos atrás. Agora me deparo com a necessidade de escrever sobre o que foi a aula que frequentei neste último semestre e articular um pouco do que aprendi e me marcou e tenho receio de escrever um texto vazio, provavelmente porque assimilei que há uma regra, uma forma certa de se fazer e pelo qual serei avaliada.
Embora não tenha certeza do que pode sair daqui, embora esteja claro que ainda escrevo sob a lanterna da lógica binária (há um texto certo, e portanto um texto errado a se escrever), tenho alguma certeza sobre o que deve me guiar ao relatar e depor o que foram as aulas de Psicologia e Estudos de Gênero, o lugar de onde falo. Sei que preciso falar a partir de um lugar.
Falo aqui do lugar de Psicóloga, pesquisadora, brasileira, manésinha da ilha, biomulher, se é que precisamos de um nome. Rotular me incomoda porque falo também do lugar de quem assimila com sentido a exposição de Buttler quando afirma que os gêneros são instituídos numa matriz de poder (compulsoriamente heterossexual, branca e falocêntrica), então ficam excluídos, a rigor, os seres abjetos, “aqueles que não são ainda “sujeitos”, mas que formam o exterior constitutivo do domínio do sujeito” (Butler, 1993:3).
Poder, certamente este foi e é a palavra que martela na minha cabeça todo o tempo. Nos constituímos através do poder, nos relacionamos tendo como pano de fundo o domínio e acordamos, falamos, agimos e tomamos decisões mergulhados em relações de poder. Isso assusta, me interpela e me inquieta todo o tempo. Não raro, indaguei em aula e no cotidiano como seria possível achar uma saída. Como seria possível que um sujeito não se subjetivasse através de relações que preservam quem domina e quem é dominado.
Como seria possível olhar para a categoria gênero fora desse lugar? Como seria possível parar de pensar que gênero não carrega o peso dos papéis dados ao sujeito que tem falo e ao sujeito que não tem. As qualidades concretas e que foram naturalizadas como inerentes a quem tem pênis e a quem tem vagina são ninhos das qualidades abstratas dos gêneros: “homens são dinâmicos, corajosos, práticos”, “mulheres são sensíveis, compenetradas, cuidadoras”. De que forma sair da logica heterocêntrica (Butler) que estabelece quem é sujeito e quem não é. Que exige que para que se seja respeitado e para que haja dignidade é preciso definir, marcar, rotular, carimbar e explicar de que forma alguém lida com seu corpo e porque deseja o que deseja?
Sob outra ótica, me pergunto se não tenho sido hipócrita e arrogante tentando achar uma saída. Será que a saída é achar uma solução? Será que já não crio aqui uma nova norma? O que de fato me incomoda? O meu lugar de negra e mulher que historicamente se sujeita, já que se sujeitar neste caso pareceu a única forma de existir? Ou falo da experiência da coordenadora de projetos, classe média, educada em colégio particular e com muito mais do que todas as necessidades básicas atendidas. Alguém que, sem dúvida, já oprimiu de alguma forma e já categorizou, definiu e julgou atitudes, modos de vida e desejos. Quem sabe minha grande questão aqui seja a citada por Peixoto (2004): A questão que então se coloca é a de saber o que exatamente se deseja com a submissão.
“Seria preciso delimitar melhor como uma sobrevivência insubmissa seria possível e se os termos pelos quais ela obtém sua garantia são precisamente os que demandam e instituem a submissão. Nessas condições, a sujeição seria o efeito paradoxal de um regime de poder no qual as próprias condições de existência, a possibilidade mesma de continuar a ser socialmente reconhecido, requerem a formação e a manutenção da subjetividade sob a condição de subordinação”(Peixoto)
Certamente as aulas foram um desafio, sem dúvida me colocaram a prova. Sei que estou menos tolerante com formas de discriminação e preconceito, sei que me calo um pouco menos diante das misérias humanas cotidianas.
Estou em campo de pesquisa. Estamos pesquisando a relação das famílias brasileiras com seus animais. Fazem dois dias entrevistei um senhor que não sai da minha cabeça. Penso nele ao acordar e dormir e me invade certa tristeza. Ele e sua cachorra. Apenas ele e ela. Ele sozinho, abandonando-se dentro de casa, esperando que aquele bichinho dê a ele todo afeto que ele necessita, sem devir, capturado pela impropriedade do mundo, completamente decaído e sem projeto de ser. O problema não é fazer do cão seu eterno companheiro, para mim a questão é que algo muito importante alí se perdeu, é um desabrigado na propria casa. A vida, as relações de poder, as injustiças, o capitalismo louco, a violência, a desigualdade social localizam esse homem em um lugar distante do que pode ser considerado dignidade e nesse momento eu me sinto menor e não paro agora de me questionar qual é o meu lugar?

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

On the other side of the ocean. At the Cape of Good Hope...


Ah se a gente soubesse quantas surpresas o mundo nos planeja, se tivéssemos consciência das belezas que nos esperam, if we were able to realize the happy moments specially prepared for us e se não deixássemos que isso nos fugisse nem por um instante, não questionaríamos o sentido, a verdade, o vínculo...

Mas a vida é feita de tantas outras coisas, de tantos outros momentos que não beleza, que não encontro, que não boas esperanças, que inevitavelmente e humanamente colocamos, mergulhados num caldeirão de expectativas, o que nos é mais caro sob inquisição.

Aqui do outro lado, onde o Oceano Atlântico encontra o Oceano Indico, onde a vida e a dignidade foram colocados a prova tantas vezes em função da cor de pele. Por aqui, onde crianças, adultos e velhos dançam para celebrar tudo, e movimentar o corpo ao som dos batuques dos tambores é tão natural quanto respirar, aqui sim pode-se falar de esperança.

Nem tudo é bonito, as cicatrizes geradas pela segregação racial deixaram marcas imensas, e está claro, é algo pra não ser esquecido em hipótese alguma. Mas a fala alta e cantada, o bater de palmas e o sorriso no rosto trazem a tona o fato de que a capacidade de recomeçar e vislumbrar horizontes é uma virtude humana anterior ainda aos tempos em que um certo navegador Bartolomeu Dias passou por aqui, contornou a costa Africana, dobrando o Cabo da Boa Esperança.

Todo dia que abro os olhos nesse país, nao sei o que me espera. Pode ser uma família inteira dançando SEmba ao redor da mesa para nos dar boas vindas, pode ser a tensão com receio da segurança ao andar sozinha depois das 18 horas, pode ser o som do estalo no céu da boca do dialeto Xhosa, um aluno de um novo país na classe, pode ser um Marinheiro que por alguns belos dias te leva para uma nova e linda viagem, pode ser o por do sol fascinante num fim de tarde de domingo ou quem sabe andar 4 horas pela costa de bicicleta e ficar sem palavras pra descrever toda a beleza. O que talvez eu tenha certeza é de que tenho grande parte de mim transformada em 3 semanas e que embora saudosa e as vezes insegura, e quase sempre confusa gosto do que tem sido descoberto em mim aqui do outro lado do Oceano.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

"[...]Que o medo da solidão se afaste, e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.[...]"
Oswaldo Montenegro