Fere de leve a frase... E esquece... Nada
Convém que se repita...
Só em linguagem amorosa agrada
A mesma coisa cem mil vezes dita.

Mario Quintana

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Do meu lugar...

Escrevi esse texto para a disciplina de Psicologia e Estudos de Gênero (lindamente ministrada por Juracy Toneli). Não consegui finalizar referência e o trabalho me engoliu de tal forma, que só meses depois toco nele novamente acrescento um novo parágrafo e resolvo pública-lo aqui, pra o que o meu lugar não se perca...




Do meu lugar
Reflexões sobre a disciplina Psicologia e Estudos de Gênero

Eu sei como pisar
No coração de uma mulher
Já fui mulher eu sei


Demorei pra escrever a primeira palavra desse texto. A vida anda bastante corrida e minha mente parece ter dificuldade de organizar todas as ideias e raciocínios que passam por ela. De fato, não sei o que escrever diante da quantidade de informações que tenho na minha cabeça nesse momento. Isso se mistura a um grande cansaço do trabalho e a sensação de que o meu texto tem que ser bom. Pronto, entramos na temática.
Penso na norma, e ela quase me impede de escrever. A última vez que escrevi um trabalho acadêmico foi na pós em Saúde Publica, seis anos atrás. Agora me deparo com a necessidade de escrever sobre o que foi a aula que frequentei neste último semestre e articular um pouco do que aprendi e me marcou e tenho receio de escrever um texto vazio, provavelmente porque assimilei que há uma regra, uma forma certa de se fazer e pelo qual serei avaliada.
Embora não tenha certeza do que pode sair daqui, embora esteja claro que ainda escrevo sob a lanterna da lógica binária (há um texto certo, e portanto um texto errado a se escrever), tenho alguma certeza sobre o que deve me guiar ao relatar e depor o que foram as aulas de Psicologia e Estudos de Gênero, o lugar de onde falo. Sei que preciso falar a partir de um lugar.
Falo aqui do lugar de Psicóloga, pesquisadora, brasileira, manésinha da ilha, biomulher, se é que precisamos de um nome. Rotular me incomoda porque falo também do lugar de quem assimila com sentido a exposição de Buttler quando afirma que os gêneros são instituídos numa matriz de poder (compulsoriamente heterossexual, branca e falocêntrica), então ficam excluídos, a rigor, os seres abjetos, “aqueles que não são ainda “sujeitos”, mas que formam o exterior constitutivo do domínio do sujeito” (Butler, 1993:3).
Poder, certamente este foi e é a palavra que martela na minha cabeça todo o tempo. Nos constituímos através do poder, nos relacionamos tendo como pano de fundo o domínio e acordamos, falamos, agimos e tomamos decisões mergulhados em relações de poder. Isso assusta, me interpela e me inquieta todo o tempo. Não raro, indaguei em aula e no cotidiano como seria possível achar uma saída. Como seria possível que um sujeito não se subjetivasse através de relações que preservam quem domina e quem é dominado.
Como seria possível olhar para a categoria gênero fora desse lugar? Como seria possível parar de pensar que gênero não carrega o peso dos papéis dados ao sujeito que tem falo e ao sujeito que não tem. As qualidades concretas e que foram naturalizadas como inerentes a quem tem pênis e a quem tem vagina são ninhos das qualidades abstratas dos gêneros: “homens são dinâmicos, corajosos, práticos”, “mulheres são sensíveis, compenetradas, cuidadoras”. De que forma sair da logica heterocêntrica (Butler) que estabelece quem é sujeito e quem não é. Que exige que para que se seja respeitado e para que haja dignidade é preciso definir, marcar, rotular, carimbar e explicar de que forma alguém lida com seu corpo e porque deseja o que deseja?
Sob outra ótica, me pergunto se não tenho sido hipócrita e arrogante tentando achar uma saída. Será que a saída é achar uma solução? Será que já não crio aqui uma nova norma? O que de fato me incomoda? O meu lugar de negra e mulher que historicamente se sujeita, já que se sujeitar neste caso pareceu a única forma de existir? Ou falo da experiência da coordenadora de projetos, classe média, educada em colégio particular e com muito mais do que todas as necessidades básicas atendidas. Alguém que, sem dúvida, já oprimiu de alguma forma e já categorizou, definiu e julgou atitudes, modos de vida e desejos. Quem sabe minha grande questão aqui seja a citada por Peixoto (2004): A questão que então se coloca é a de saber o que exatamente se deseja com a submissão.
“Seria preciso delimitar melhor como uma sobrevivência insubmissa seria possível e se os termos pelos quais ela obtém sua garantia são precisamente os que demandam e instituem a submissão. Nessas condições, a sujeição seria o efeito paradoxal de um regime de poder no qual as próprias condições de existência, a possibilidade mesma de continuar a ser socialmente reconhecido, requerem a formação e a manutenção da subjetividade sob a condição de subordinação”(Peixoto)
Certamente as aulas foram um desafio, sem dúvida me colocaram a prova. Sei que estou menos tolerante com formas de discriminação e preconceito, sei que me calo um pouco menos diante das misérias humanas cotidianas.
Estou em campo de pesquisa. Estamos pesquisando a relação das famílias brasileiras com seus animais. Fazem dois dias entrevistei um senhor que não sai da minha cabeça. Penso nele ao acordar e dormir e me invade certa tristeza. Ele e sua cachorra. Apenas ele e ela. Ele sozinho, abandonando-se dentro de casa, esperando que aquele bichinho dê a ele todo afeto que ele necessita, sem devir, capturado pela impropriedade do mundo, completamente decaído e sem projeto de ser. O problema não é fazer do cão seu eterno companheiro, para mim a questão é que algo muito importante alí se perdeu, é um desabrigado na propria casa. A vida, as relações de poder, as injustiças, o capitalismo louco, a violência, a desigualdade social localizam esse homem em um lugar distante do que pode ser considerado dignidade e nesse momento eu me sinto menor e não paro agora de me questionar qual é o meu lugar?

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

On the other side of the ocean. At the Cape of Good Hope...


Ah se a gente soubesse quantas surpresas o mundo nos planeja, se tivéssemos consciência das belezas que nos esperam, if we were able to realize the happy moments specially prepared for us e se não deixássemos que isso nos fugisse nem por um instante, não questionaríamos o sentido, a verdade, o vínculo...

Mas a vida é feita de tantas outras coisas, de tantos outros momentos que não beleza, que não encontro, que não boas esperanças, que inevitavelmente e humanamente colocamos, mergulhados num caldeirão de expectativas, o que nos é mais caro sob inquisição.

Aqui do outro lado, onde o Oceano Atlântico encontra o Oceano Indico, onde a vida e a dignidade foram colocados a prova tantas vezes em função da cor de pele. Por aqui, onde crianças, adultos e velhos dançam para celebrar tudo, e movimentar o corpo ao som dos batuques dos tambores é tão natural quanto respirar, aqui sim pode-se falar de esperança.

Nem tudo é bonito, as cicatrizes geradas pela segregação racial deixaram marcas imensas, e está claro, é algo pra não ser esquecido em hipótese alguma. Mas a fala alta e cantada, o bater de palmas e o sorriso no rosto trazem a tona o fato de que a capacidade de recomeçar e vislumbrar horizontes é uma virtude humana anterior ainda aos tempos em que um certo navegador Bartolomeu Dias passou por aqui, contornou a costa Africana, dobrando o Cabo da Boa Esperança.

Todo dia que abro os olhos nesse país, nao sei o que me espera. Pode ser uma família inteira dançando SEmba ao redor da mesa para nos dar boas vindas, pode ser a tensão com receio da segurança ao andar sozinha depois das 18 horas, pode ser o som do estalo no céu da boca do dialeto Xhosa, um aluno de um novo país na classe, pode ser um Marinheiro que por alguns belos dias te leva para uma nova e linda viagem, pode ser o por do sol fascinante num fim de tarde de domingo ou quem sabe andar 4 horas pela costa de bicicleta e ficar sem palavras pra descrever toda a beleza. O que talvez eu tenha certeza é de que tenho grande parte de mim transformada em 3 semanas e que embora saudosa e as vezes insegura, e quase sempre confusa gosto do que tem sido descoberto em mim aqui do outro lado do Oceano.