Fere de leve a frase... E esquece... Nada
Convém que se repita...
Só em linguagem amorosa agrada
A mesma coisa cem mil vezes dita.

Mario Quintana

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Amor sem barraco não é amor

“Acabamos numa boa”, me diz a amiga W., uma das tantas moças de fino trato que me elegeram confidente. Tudo bem, sou todo ouvidos, escuto imperturbável e sereno como uma caricatura do doutor Sigmund Freud baforando o seu charuto.

Ela prossegue: “Sem drama mesmo, sabe?”.

Sim, sei, conta outra para ver se acredito.

“Nunca achei que fosse possível terminar de uma forma tão tranqüila e sem mágoas”, continua W. sem parar de falar, compulsiva, com sua narrativa sob suspeita.

Ah, conta outra, amiga, desconfio no meu inoxidável silêncio de ouvidor-geral dos corações aflitos.

A mulher com W maiúsculo, como naquela canção do Mundo Livre S/A, narra ainda: “Acabar assim é ótimo, agora temos toda a tranqüilidade para cuidar das coisas práticas sem aquela loucura no juízo”.
Na minha silenciosa caixola de confidente, agora toca baixinho outro refrão: “Que mentira, que lorota boa”. Essa é do Luiz Gonzaga, um clássico – não sei pensar sem fundo musical, mania antiga, caro(a) leitor(a).
Ela fala mais que o homem da cobra, um Pentecostes de conversa, sempre com a mesma tese: acabamos numa boa, numa “nice”. Conta outra, minha querida, pensa que eu nasci ontem e de sete meses?
Ah, toda vida que alguém me conta que pingou o ponto final em um relacionamento sem as dores de sempre, ligo o botão de todas as dúvidas e suspeitas.
O amor, se é amor, não se acaba de forma civilizada.
Nem no Crato, Brumadinho, Mimoso ou Estocolmo, na Suécia.
Se ama de verdade, nem o mais frio dos esquimós consegue escrever o “the end” com o dedinho no gelo sem uma quebradeira monstruosa.
Fim de amor sem baixarias é o atestado, com reconhecimento de firma e carimbo do cartório, de que o amor ali não mais estava.
O mais frio, o mais cool dos ingleses estrebucha e fura o disco dos Smiths, I Am Human, sim, demasiadamente humano esse barraco sem fim. O mais relaxado dos latinos se acaba no bolero de Bienvenido Granda, com suas angústias e perfumes de gardênias. O mais zen dos brasileiros acaba com os mananciais da água que passarinho não bebe. E tome Roberto, Waldick ou Chico Buarque, no caso dos mais finos.
O que não pode é sair por ai assobiando, camisa aberta, relax, chutando as tampinhas da indiferença para dentro dos bueiros das calçadas e do tempo.
O fim do amor exige uma viuvez, um luto, não pode simplesmente pular o muro do reino da Carençolândia para exilar-se, com mala e cuia, com a primeira costela ou com o primeiro traste que aparece pela frente.
Acabar numa boa é como nada tivesse havido. Conta outra que só acredito no amor dos corações em permanente barraco.

(Xico Sá)

Um comentário:

  1. A coisa mais reconfortante no final de um relacionamento é o alvará que a sociedade te dá para berrar, espernear, lançar maldições e ser completamente irracional. W., querida, aproveite. Oportunidades assim não aparecer todos os dias.

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